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Hiato atlântico

Posted in Uncategorized by Andreza Pereira on março 17, 2010

   E daí que um Atlântico e incontáveis movimentos migratórios depois, a o que a gente fez no Brasil foi uma releitura à moda da língua de Camões. Eu não sei, tecnicamente, como se deram as influências linguísticas todas que fizeram com que a gente falasse como a gente fala. A questão é que é notável como portugueses e brasileiros falam diferente. 

   Eu pensei que ia ser mais fácil, que o lado esquerdo do meu cérebro, responsável pela linguagem, iria fazer umas ligações neurais a mais, mobilizar um pouco de massa cinzenta, chamar à tona umas pastas do arquivo morto de quando eu estudei História Colonial no colégio e fechou o Brasil. Mas não, not really. Às vezes, durante uma aula comprida , ministrada aqui, no português de Portugal, meus ouvidos podem simplesmente abstrair com o ritmo de fala e eu, por breves momentos, achar que ouço uma outra língua, escandinavo, russo ou alemão. Bem assim como quando a gente aperta os olhos e passa a ver borrões é quando o meu ouvido relaxa e ouve russo. E eu não falo só do vocabulário, do léxico que é diferente como nas palavras bicha, rapariga, auto-carro, telemóvel, montra…Com isso se lida até rápido. Falo mesmo é do ritmo, da pronúncia, dos modos de tratamento, das conjugações verbais.

   Quando eles falam, tudo soa como uma música pra mim, como a minha deixa pra entoar a próxima parte de uma canção de roda. A leitura das “paragens” pela voz gravada dentro do metrô então me parecem exercícios de alcance tonal. E permanece a impressão  de que boa parte da língua se constitui de proparoxítonas. 

   Aqui o reino é da segunda pessoa do singular, quase nada de você, quase nada de senhor, ótimo pra treinar conjugação, tanto no indicativo como cortando o s no imperativo: um laboratório pra quem vai prestar vestibular. Ah sim e eles usam muito o diminutivo: beijinhos, um bocadinho, até loguinho. E sobre o gerúndio, quase não se ouve, acho que nem no telemarketing.

   Mas até agora o momento-emblema da minha aproximação do modo da língua por esses lados foi bem na minha chegada. Conheci o rapaz da Universidade do Porto que cuidou de toda a burocracia da minha mobilidade entre as universidades desde dezembro. E ele me pergunta formal e polidamente: – A Andreza fez boa viagem? Alguns momentos e pontes neurais inúteis do lado esquerdo do meu cérebro depois, respondo: -A Andreza sou eu. Ah, tem outra Andreza? Ele rindo e avermelhando diz que sabe que a Andreza sou eu.

   Enfim, enfim. Fiquem então sabendo que a Andreza sou eu e que nós ainda nem falamos da Angola.

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