Escritosdoporto's Blog

O Brasil fora do Brasil

Posted in Uncategorized by Andreza Pereira on junho 8, 2010

   Uma coisa interessante quando se está em outro país é perceber como o seu próprio país é notado pelas pessoas de outros lugares. Parecido com a primeira vez em que a gente vê o o nosso pai ou mãe no trabalho. E daí você percebe que eles não só o seu pais, mas também são chefe de alguém, ou a senhora, ou o funcionário de alguém e isso causa um significativo instante de estranhamento. E também nos damos conta, empiricamente, de que o Brasil é um lugar e o português mais uma língua e os nossos costumes mais de muitos outros costumes e que tem tanta gente lá fora. Porque o que acontece é que somos todos, conceitualmente, etnocêntricos, não no sentido histórico da palavra que nos remete à crença em um evolucionismo cultural, mas no sentido antropológico mesmo, de que só podemos ver as coisas a partir de nossa própria cultura, de nosso pertencimento. E quando, geograficamente, deixamos de pertencer ao nosso pertencimento, esse mesmo pertencimento se torna mais nítido e os diversos discursos que nos falam os outros acerca de onde viemos como que pintam o que pra nós foi, na maior parte das vezes, transparente.

   A Universidade do Porto é a que organiza o programa Erasmus Mundus, esse programa mundial de mobiliade acadêmica. Então, seu nome tem muita visibilidade pros alunos que se candidatam, o que faz com que vários deles escolham a instituição pra realizar seus cinco meses de intercâmbio. Essa profusão de nacionalidades faz com que você trave, quase que involuntariamente, aquelas diálogos CCAA (patente Antôno Prata): “Where are you from?”,”What do you eat in you country?”,”Wich kind of music do you listen there?”  “Is it hot there?”, “Fine, thanks and you?”. Assim como uma entrevsta ping-pong, tudo límpido e denotativo. Séculos atrás até trocaríamos espelhos e ouro.

    Pois então. A primeira coisa que ouvi  aqui sobre o Brasil  foi de uma vendedora que disse  que a nossa língua era o português com açucar. Achei bonito.E de um modo geral, os portugueses entendem mais facilmente o que falamos do que vice-versa. Talvez porque a maioria das músicas que toca nas lojas, nas rádios, no tempo de espera antes do filme começar é brasileira. E , por supuesto, as novelas! Escolhendo iogurtes no mercado, uma senhora perguntou se eu sabia onde estavam as bandeijas de tutti frutti, sabor de que seus netos mais gostavam. Ela respondeu o meu “lá atrás” entusiasticamente dizendo que adorava as novelas brasileiras, que eram muito melhres que as portuguesas todas artificiais e dramáticas, que as brasileiras sim é que eram naturais e retratavam a vida de verdade. Numa aula de sociologia sobre a aceitação social do homossexualismo, a professora comenta como a mídia consolida os esteriótipos de gênero e como em quase toda novela tem uma personagem gay. No fundo, duas meninas confirmam: -Sim, tem um gay em Viver a Vida. Ainda nesta sala, uma colega elogia a mesma novela afirmando que é das poucas que têm coragem de mostrar a favela. Eles me perguntam muito da favela.

   Além de novela e favela, os maiores tópicos diálogo-Brasil de que as pessoas me pedem pra falar são: Rio de Janeiro, violência, Lula, futebol, muita gente, pesados filmes e pessoas simpáticas. Há também os tópicos nanicos que não deixam de merecer a nossa atenção presentes quando a proprietária do meu alojamento disse que as pessoas que mais excediam o limite do uso de água eram os brasileiros, ou quando um colega que soube que eu era de MT perguntou das anacondas, e ainda no tom de censura quando me lembram dos rodízios e de como nós comemos carne. E tem também aquelas pessoas estilo os alemães que tiraram a a roupa no aeroporto de Salvador porque achavam que aqui era normal que todos andassem nus. Mas a esse tipo de tópico diálogo-Brasil, eu me recuso.

    No geral, percebo que muitos dos portugueses que querem fazer mobilidade acadêmica no Brasil têm medo da violência. Aqui no Porto é raro haver no jornal alguma notícia sobre assalto à mão armada ou coisas assim. Falam também muito do Brasil como um país de contrastes, da pena que é um país tão bonito ter tantos coisas ruins. Numa dessas lojas de DVD’s e CD’s, os filmes brasileiros à venda eram Carandiru e Cidade de Deus. Grande parte dos anúncios de turismo colado nos vidros das agências é do Brasil, principalmente do Nordeste e mais principalmente ainda de Porto de Galinhas, de acordo com o meu levantamento  flaneur super científico. Houve até um anúncio com o dizer “Descubra o Brasil”. Alguém avisa que a gente não acha bacana humor com ambiguidade colonialista? E é realmente notável o modo como falam da natureza do Brasil, usando termos como “maravilhas” ou “outro mundo” e “paraíso”. Uma moça no ponto de ônibus me disse que sempre que aqui faz frio, ela fala pros seus filhos “ah, se eu estivesse no Brasil”, mas ela não tinha dinheiro, concluiu lamentando. A diferença do preço das passagens entre os países da Europa e para uma viagem de Portugal ao Brasil é realmente enorme. Fácil ver todo dia turistas no metrô que circundam com seus mochilões os limites da União Européia. E é preciso dizer que o Lula tem uma imagem muito boa aqui. O que mais se ouve sobre ele são comentários de como  foi um presidente diferente dos outros, que olhou para os pobres e trabalhadores. Junto com o Ronaldinho, ele é das personalidades de que mais ouço falar elogiosamente.

   Uma brasileira que cursa biologia e também está aqui me contou que as colegas de sua sala pediram pra ela sambar em uma aula de laboratório. Uma colega turca me disse baixo e olhando pros lados que os brasileiros eram muito mais simpáticos que os portugueses.Uma cabelereira africana me recebeu falando que Brasil e África eram como nações irmãs  em que as pessoas mesmo morrendo faziam festa. E no menu do refeitório da minha faculdade volta e meia tem feijoada e nos shoppings não falta Boticário.

   Com certeza, eu também iniciei com pessoas de outros países vários desses tópicos-impressões que essas pessoas iniciaram comigo. Uma francesa que conheci num hostel respondeu à minha avidez turística indicando que eu não fosse a Paris mas para o interior do país. Colegas italianas nos contaram que há no país uma sensação de que Roma centraliza as atenções e o dinheiro da Itália e que há muitas outras coisas pra serem vistas além do Vaticano. A mesma colega turca durante uma apresentação de seus país à turma  afirmou que a única coisa que ela não queria era que a gente continuasse pensando que as mulheres turcas não têm liberdade e que eles têm camelos.

   E isso tudo me fez lembrar um vídeo de uma escritora nigeriana chamada Chimamanda Adichie, que estudou nos EUA e relata como o que se formou historicamente  foi uma história única a respeito da África. 

   A  gente ainda sabe pouco um do outro.